A 2ª Vara do Trabalho de Arapiraca julgou procedente, em parte, a ação movida por um trabalhador contra o Consórcio Arapiraca-Delmiro Gouveia e uma empresa do ramo da construção civil. O juiz Flávio Luiz da Costa, titular da Unidade Trabalhista, reconheceu a existência de jornada extenuante, ausência de intervalo adequado, pagamento de salários inferiores ao piso da categoria e omissão na concessão de cestas básicas. Na decisão, o magistrado determinou o pagamento de horas extras, diferenças salariais, indenização pela supressão do intervalo intrajornada e danos morais.
O trabalhador exercia a função de vigia em trechos de rodovia sob condições precárias, como ausência de banheiro, abrigo e mobiliário, tendo que realizar suas necessidades no mato e fazer refeições em pé ou sentado sobre máquinas, sem qualquer estrutura mínima. Apesar de a jornada contratada ser no regime 12x36, ficou comprovado que ele trabalhava das 17h30 às 7h30, com apenas 20 a 30 minutos de pausa, o que descaracteriza o regime especial e atrai o pagamento de horas extras além da oitava hora diária.
“Não se pode reduzir custos operacionais pelo descumprimento de normas básicas de saúde, higiene e segurança, visando equilibrar o cronograma físico orçamentário. Esse dinheiro não pertence à empresa, porque ele é pago pela sociedade para ser empregado com a finalidade de manter um ambiente de trabalho digno, sem riscos e sem acidentes”, afirmou o magistrado em sua sentença.
O magistrado também rejeitou a alegação de que o fornecimento de refeições substituía o direito à cesta básica, previsto em convenção coletiva. Em sua análise, não houve qualquer comprovação de que a obrigação foi cumprida. Com base na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do meio ambiente de trabalho saudável, ele fixou indenização por danos morais no valor de R$ 9,4 mil em decorrência da exposição do autor a condições degradantes e indignas.
“Compreendo que não deveríamos estar discutindo se seres humanos poderiam ter acesso a quesitos básicos de higiene, de saúde e de segurança na condição narrada neste processo. Vejam que, em pleno ano de 2025, ainda há quem precise reivindicar o direito de usar um banheiro ou ter onde se sentar para se alimentar”, pontuou.
Letras - A sentença também se destacou pelo olhar sensível e humanizado do magistrado, que buscou reforçar o valor da dignidade no trabalho ao citar trechos das músicas “Construção” (1971), de Chico Buarque; “Comida” (1984), da banda Titãs, e “Guerreiro Menino” (1983), de Gonzaguinha.
Quanto à música Construção, ele destacou o seguinte trecho: [...] “Por esse pão para comer, por esse chão para dormir. A certidão para nascer e a concessão pra sorrir. Por me deixar respirar, por me deixar existir. Deus lhe pague. [...]
Já no que concerne à composição “Comida”, a ênfase foi para a estrofe: [...] A gente não quer só comer. A gente quer prazer pra aliviar a dor (...) A gente não quer só dinheiro. A gente quer dinheiro e felicidade. A gente não quer só dinheiro. A gente quer inteiro e não pela metade [...].
Em relação à obra musical de Gonzaguinha, recorreu ao trecho: [...] Eu vejo que ele berra. Eu vejo que ele sangra. A dor que tem no peito. Pois ama e ama. Um homem se humilha. Se castram seu sonho. Seu sonho é sua vida. E vida é trabalho. E sem o seu trabalho. O homem não tem honra. E sem a sua honra. Se morre, se mata [...]
Ao recorrer à arte para ilustrar a realidade vivida pelo autor da ação, o juiz Flávio Luiz da Costa deu voz à dimensão humana do processo, aproximando o Direito da vida real e evocando, por meio das letras, o sofrimento silencioso de trabalhadores invisibilizados.
As referências musicais reforçam a crítica à naturalização da precariedade e lançam luz sobre a urgência de se reconhecer o valor da pessoa que labuta, não apenas como força produtiva, mas como sujeito de direitos, sonhos e dignidade.
As decisões de primeira e segunda instâncias seguem o princípio do duplo grau de jurisdição, sendo passíveis de recurso conforme o previsto na legislação processual.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região
Imagem: Shutterstock/Oak Nakrub