Justiça rejeita homologação de acordo e reconhece vínculo entre Uber e motorista

29 de Junho, 2021 Direito do Trabalho
Justiça rejeita homologação de acordo e reconhece vínculo entre Uber e motorista

O juízo da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região decidiu rejeitar o acordo entre a Uber e um motorista de aplicativo juntado aos autos do processo na véspera do julgamento.

Os desembargadores decidiram pelo reconhecimento do vínculo empregatício entre a empresa de tecnologia e o trabalhador e afirmaram que a companhia visa criar uma uniformidade jurisprudencial.

Segundo a relatora da matéria, desembargadora Ruth Barbosa Sampai, "sob o manto do acordo, as partes buscam, incentivadas pela postura reiterada da reclamada de controlar a jurisprudência, obstar a análise do mérito". "A conduta da reclamada não condiz com o princípio da boa-fé processual (art. 5º, CPC/15)", afirmou.

A magistrada apontou que o caso ultrapassa o interesse meramente individual da parte reclamante, pois atinge a coletividade em geral, uma vez que se trata de prática que deve ser rechaçada por todo, com a finalidade de evitar a ocorrência de dumping social, empresarial, previdenciário, fiscal e trabalhista.

Ela argumenta que a corte não pode se curvar diante da tentativa da Uber de camuflar a aparente uniformidade jurisprudencial, disfarçando a existência de dissidência de entendimentos quanto à matéria analisada. "Esta prática é decorrência da conhecida jurimetria, uma espécie de estatística do direito que, inclusive, em alguns casos, utiliza inteligência artificial para alcançar fins, a priori, de acordo com o ordenamento jurídico, sem que os julgadores percebam o que está, em verdade, ocorrendo. Jamais pode ser aceita no Poder Judiciário, ainda mais quando postos em juízo preceitos e princípios constitucionais que perpassam o interesse meramente individual do reclamante", registrou.

No exame do mérito, a julgadora explica que os motoristas absorvem o risco de todas as corridas empreendidas. "O controle sobre os motoristas é elevado. Apesar dos trabalhadores serem remunerados apenas quando realizam viagens demandadas pelo aplicativo, a Uber mantém a coleta de informações dos motoristas mesmo quando não estão em uma corrida. A partir desses elementos, a empresa consegue delinear padrões", diz trecho do acórdão.

A magistrada também cita o conceito da "subordinação psíquica", que é caracterizado pelo fato de o trabalhador ficar vinculado à prestação dos serviços pela necessidade de subsistência ou até mesmo para que não seja excluído daquela prestação por não ter feito ativações suficientes para a permanência naquele vínculo sob os critérios do algoritmo.

O Dr. Thomaz Bergman, sócio do escritório AVM Advogados e especialista em Direito Digital, salienta que a decisão se assemelha com outro processo do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas, na qual a mesma empresa buscou um acordo no dia que antecedeu o Julgamento.

A Jurimetria é um instrumento válido para a análise de tendências do processo, com a finalidade de elaborar novas teses e adequar argumentos jurídicos, mas da maneira que foi utilizada cria um desequilíbrio entre as partes, pois não permite a criação de uma jurisprudência contrária aos seus interesses e se utiliza do poder econômico para forçar acordos que mascaram a existência de um entendimento quanto ao vínculo de emprego do motorista de aplicativo.

"A impressão que fica e é vendida pela empresa é de que os Tribunais do Trabalho no Brasil não reconhecem o vínculo de emprego do motorista de aplicativo", pontua Bergman.

Jurisprudência questionável

Em abril deste ano, a 6ª Turma da 11ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região afirmou que a plataforma pratica uma "manipulação de jurisprudência".

Isso porque, menos de 24 horas antes do julgamento, as partes juntaram petição requerendo homologação de acordo e, consequentemente, a retirada do processo da pauta de julgamento. Os pedidos foram indeferidos pela turma, por vários motivos.

Na ocasião, os juízes entenderam que a empresa pratica fraude trabalhista que é "propositadamente camuflada pela aparente uniformidade jurisprudencial, que disfarça a existência de dissidência de entendimento quanto à matéria, aparentando que a jurisprudência se unifica no sentido de admitir, a priori, que os fatos se configuram de modo uniforme em todos os processos (jurimetria)".

Essa estratégia, assim, impediria "o fluxo natural da jurisprudência e a configuração da pluralidade de entendimentos para que, enfim, as instâncias competentes possam consumar o posicionamento definitivo sobre a matéria".

Outro lado

Em nota, a Uber afirmou que vai recorrer da decisão, e destacou que a decisão não é consenso no Judiciário

Fonte: Conjur
Foto: Freepik

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