“Gravidez não é doença”: algumas reflexões acerca dos padrões culturais que ainda sustentam o preconceito em relação à maternidade no mercado de trabalho

13 de Outubro, 2023 Direito do Trabalho
“Gravidez não é doença”: algumas reflexões acerca dos padrões culturais que ainda sustentam o preconceito em relação à maternidade no mercado de trabalho

No dia 10 de outubro, o desembargador Georgenor de Sousa Franco Filho, presidente da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 8ª Região (Pará e Amapá) se opôs ao pedido de adiamento de uma sessão de julgamento, o qual foi realizado pela advogada Suzane Teixeira Odane Rodrigues Guimarães em razão do seu estado gravídico.

Conforme nota publicada pela Ordem dos Advogados do Brasil do Pará (OAB/PA), o bebê de Suzane nasceu na última sexta-feira (6) e estava hospitalizado, bem como a mãe se encontrava em puerpério.

Mesmo diante dessas delicadas circunstâncias, o desembargador Georgenor proferiu a seguinte frase, desrespeitando a referida advogada tanto como mulher quanto como profissional:

"Gravidez, já dizia Magalhães Barata, que já foi governador do Pará, não é doença, adquire-se por gosto".

Ao contrário do que muitos podem supor, a declaração profundamente preconceituosa do magistrado não se trata de uma manifestação isolada vinda de alguém que, ironicamente, se considera um “fervoroso e permanente defensor da mulher e seus direitos”, mas, ao contrário, é reflexo de padrões culturais machistas que ainda não foram superados.

Historicamente, a inserção das mulheres nos ambientes laborais foi marcada pela necessidade de superação de desafios diários. A princípio, o trabalho da mulher nada mais significava do que um complemento da renda doméstica, motivo pelo qual lhe eram reservados os postos de trabalho menos qualificados e com salários mais baixos.

No entanto, nas últimas décadas, algumas leis foram elaboradas com o objetivo de garantir melhores condições às trabalhadoras.

Especificamente em relação à maternidade, ressalta-se que foi apenas com a Constituição Federal de 1988 que alguns direitos foram assegurados tais como a licença à gestante com duração de 120 dias (art. 7º, inciso XVIII) e a estabilidade temporária da gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (artigo 10, inciso II, alínea ‘b’ do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

Ocorre que nem mesmo as alterações legislativas promoveram a superação de todos os preconceitos contra a empregada que se torna mãe, tendo em vista que ainda subsiste a cultura machista que entende que a mulher possui maiores responsabilidades familiares do que o homem, circunstância que torna a empregada gestante ou puérpera uma “estranha” no ambiente laboral, tendo o seu espaço como profissional constantemente questionado.

Assim, é evidente que a fala do desembargador no sentido de que a gravidez “se adquire por gosto” representa uma crítica indireta à mulher que trabalha e engravida como se, na verdade, devesse optar por uma situação ou outra.

Ressalta-se que a já citada licença concedida à mulher para o cuidado dos filhos, apesar de ter como objetivo a proteção da mãe, de fato acaba reforçando a chamada “divisão sexual do trabalho”.

Isso porque a licença paternidade de sete dias contraposta à licença maternidade de 120 dias impede a livre opção pelo cuidado dos filhos, impondo jurídica e oficialmente o dever de cuidado do recém-nascido à mulher.

Assim, é possível concluir que a questão da discriminação da mulher pelo fato de ser mãe ou de se tornar mãe está intimamente ligada ao universo cultural da sociedade.

Dessa forma, não é mais por causa da falta de normas de proteção que as mães sofrem discriminação, e sim pelo senso coletivo da sociedade, que, historicamente, valoriza a figura masculina e menospreza a feminina.

Nesse ponto, cabe questionar: se o pai da criança tivesse solicitado afastamento do trabalho no dia do parto, seria também ofendido ou, ao contrário, seria elogiado por ser um pai presente?

Nesse sentido, resta claro que a superação do preconceito contra a mãe trabalhadora perpassa não apenas as leis de proteção à maternidade como também a discussão sobre igualdade de gênero em todos os âmbitos a fim de que, em algum momento, a discriminação no cotidiano laboral, que muitas vezes é silencioso ou sutil, seja enfim completamente superado.

Por fim, repudiamos a declaração preconceituosa do desembargador Georgenor de Sousa Franco Filho, bem como reforçamos que, por meio da prática da advocacia, lutamos diariamente para que nenhuma mulher seja discriminada no seu ambiente em razão da maternidade, a qual deve ser protegida e valorizada na construção de uma sociedade mais justa e menos desigual.

Escrito por Liziane da Cunha Edler, com colaboração de Heloísa de Abreu e Silva Loureiro, Amanda de Abreu e Silva Loureiro, Scheila Cristina da Costa Nery e Thomaz Franck Bergman.

Referências:

UCHÔA, Marcelo Ribeiro. Mulher e mercado de trabalho no Brasil. São Paulo: LTR Editora Ltda., 2016.

VIEIRA, Regina Stela Corrêa. “Mulher, trabalho e maternidade: análise do sexismo presente no direito do trabalho brasileiro como barreira à igualdade de gênero”. Disponível aqui

CUNHA, Alcir Kenupp. “Proteção da mãe trabalhadora – Mudança de paradigma”. Disponível aqui

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