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Pandemia e o desequilíbrio de gênero no trabalho: a sobrecarga das mulheres que você não vê

04 de mai, 2020 AVM Advogados

A rotina de muitas trabalhadoras brasileiras, que já era intensa em um cenário em que as atividades domésticas e familiares se concentram desigualmente sobre as mulheres, ficou ainda pior com a pandemia da covid-19.

Tanto para as trabalhadoras que estão em home office quanto para as que continuam laborando em regime presencial, a situação trouxe uma sobrecarga de tarefas relacionadas à casa e a família, prejudicando, além do desempenho profissional, a saúde física e mental da mulher trabalhadora.

Com a crise mundial causada pela doença, os filhos não podem mais frequentar presencialmente a creche ou escola. Para as mães que estão teletrabalhando, a situação se agrava, pois não é fácil conciliar mais gente em casa e o cuidado com os filhos, muitas vezes tendo de auxiliá-los em atividades escolares durante o expediente.

Por conta do machismo estrutural, em muitos lares as mulheres não contam com um companheiro ou outra pessoa com quem podem compartilhar tarefas e aliviar o peso dessas atividades não remuneradas. Ainda que vivam com o cônjuge, a carga de serviço doméstico tende a ficar concentrada nas mulheres. As medidas de distanciamento social colocaram, portanto, uma lente de aumento na desigualdade de gênero e na sobrecarga que atinge a vida das trabalhadoras, mães ou não.

Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, mostram que as mulheres realizam serviços domésticos durante 18,5 horas por semana, em comparação com 10,3 horas semanais gastas pelos homens. Isso antes do cenário da pandemia, que coloca mais crianças e pessoas em casa, demandando mais cuidados. No momento atual, a carga de atividades de domésticas deve estar bem maior.

Em 1960, as mulheres perfaziam cerca de 16% da força de trabalho no ambiente de produção social. Nos anos 2000, a força de trabalho feminina representa mais de 40% da mão de obra que mantém o país funcionando. Mas nem por isso reduziram-se as horas de trabalho doméstico na rotina das mulheres.

Segundo a pesquisa "Mulheres chefes de família no Brasil: avanços e desafios", o número de família brasileiras chefiadas por mulheres era de 28,9 milhões em 2015. Ainda, cerca de 15,3% das formações familiares são representadas por mães solo ou viúvas e 5,5 milhões de crianças no Brasil não têm o nome do pai na certidão de nascimento.

Os números demonstram o machismo enraizado em nossa sociedade, que constantemente sobrecarrega mulheres em âmbito familiar e profissional. O regime de teletrabalho, assim, explicita tal cenário ao diluir barreiras entre atividades profissionais e domésticas, exigindo que as mulheres extrapolem limites físicos e psíquicos para manutenção da organização familiar em meio às tarefas laborais. E, muitas vezes, as próprias trabalhadoras não identificam os interesses patriarcais que sustentam esse cenário.

Um estudo da consultoria de alta gestão estratégica Bain & Company revelou que 57% das mulheres no Brasil têm nível superior, e 60% da população economicamente ativa é formada por elas. No entanto, apenas 16% das posições executivas são ocupadas por elas, enquanto os homens ficam com 84% dos cargos de alta liderança. Apenas 3% das CEOs nas empresas são mulheres e 5% ocupam posições em conselhos de administração. São diferenças que, durante esta pandemia, ficam ainda mais complexas por conta da sobrecarga doméstica do período, tendendo a se agravar.

"Não é uma crise só sanitária, é uma crise que deve provocar uma reflexão muito mais profunda de valores e propósitos, de cultura. Se pensarmos que as mulheres ganham de 20% a 25% menos do que os homens, a mulher está sendo muito mais prejudicada durante a crise do coronavírus", alerta Daniela Mindlin Tessler, sócia da consultoria de RH Odgers Berndtson no Brasil.

Com as equipes mais enxutas, as empresas tendem a priorizar os trabalhadores com melhores possibilidades para desempenho das atividades propostas. Como as trabalhadoras alcançarão a produtividade esperada quando se encontram sobrecarregadas? As mulheres são colocadas em uma posição de vulnerabilidade e exploração ainda mais acentuada do que os homens. As entidades sindicais, empregadores e poder público precisam ter clareza dos indicadores de desigualdade de gênero para, a partir disso, promoverem medidas que visem enfrentar os impactos deste cenário.

Outra importante questão em meio a pandemia é como o distanciamento social está impactando mulheres que estão em um contexto de violência doméstica. Durante a pandemia, as mulheres têm maior dificuldade realizar denúncias ou buscar atendimento nos locais de acolhimento psicossocial. Apenas em São Paulo, os casos de agressões dentro de casa aumentaram 44,9%, conforme o relatório divulgado em 20 de abril pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

A preocupação com o aumento da desigualdade durante a pandemia fez a Organização das Nações Unidas (ONU) lançar uma cartilha sobre os direitos das mulheres em meio à crise. O folheto "Gênero e Covid-19 na América Latina e no Caribe" coloca em pauta questões como a garantia do acesso a serviços e cuidados de saúde sexual e reprodutiva, trabalho não-remunerado, violência doméstica, entre outros assuntos. O objetivo é alertar as autoridades sobre o impacto da pandemia na vida das mulheres e garantir a dimensão de gênero nas medidas tomadas durante a crise. Para conferir a cartilha, acesse o link: bit.ly/2Krre0a.

A pandemia deve promover diversas reflexões, principalmente sobre as fragilidades do sistema capitalista e dos problemas relacionados à divisão social e sexual do trabalho. Que possamos fazer da desigualdade de gênero pauta central em nossos debates e reivindicações.

O nosso escritório está atento à luta para redução da desigualdade de gênero nas relações de trabalho. No quinto episódio da mini série Teletrabalho: Impactos socioafetivos e na saúde do trabalhador, o Dr. Antônio Vicente Martins, sócio do AVM Advogados, e Dra. Julise Lemonje, advogada associada do escritório e psicóloga, conversaram sobre as implicações do teletrabalho para as trabalhadoras que estão em fase de maternidade. Assista ao vídeo e informe-se.

Você pode assistir a série completa nessa playlist em nosso canal no YouTube: https://www.youtube.com/playlist?list=PLBLV3L4tnU9w2Ei2BmIC409Z4jykEhmZv

Fonte: AVM Advogados, Correio Brasilense e Portal Vermelho