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Medida Provisória nº 905/2019: mais precarização para quem já é precarizado

13 de nov, 2019 Direito do Trabalho

No artigo a seguir, o Dr. Antônio Vicente Martins e o Dr. Pedro Conzatti Costa, sócio e associado do escritório AVM Advogados, que é integrante da Rede LADO de advogados, coletivo jurídico que atua em favor da democracia e dos direitos trabalhistas, fazem uma análise da Medida Provisória nº 905/2019, publicada ontem no Diário Oficial da União. Na esteira dos retrocessos implementados pela Reforma Trabalhista de 2017, esta MP intensifica a precarização do trabalho com a retirada de mais direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. O escritório AVM Advogados e a Rede LADO são contrários à MP 905/2019, bem como a todo o movimento orquestrado pelo governo Bolsonaro no sentido de suprimir direitos trabalhistas e militarão sempre em defesa da classe trabalhadora.

Leia abaixo o artigo na íntegra e entenda as mudanças trazidas pela Medida Provisória nº 905/2019. Boa leitura!

No aniversário de dois anos da vigência da nova CLT, quando também se confirma o absoluto fracasso do discurso neoliberal que enganosamente sustentou a redução de direitos trabalhistas, o povo trabalhador se depara com mais um brutal ataque articulado pelo Governo Federal. Diante do aumento das taxas de desemprego e da ineficácia em resolver a questão econômica brasileira, Bolsonaro repete o antigo e falido discurso, tratando essa nova redução de direitos como a medida necessária para a superação dos entraves que impedem o crescimento da nossa economia.

Nesse contexto, a Medida Provisória nº 905/2019, publicada no Diário Oficial da União nesta última terça-feira, dia 12 de novembro, retrata claramente a intenção do atual Governo de intensificar a precarização do trabalho e atender aos anseios da elite empresarial e do sistema financeiro. O texto aprofunda os retrocessos implementados pela Reforma Trabalhista de 2017, colocando o trabalhador brasileiro em uma situação ainda mais precária. E muito embora precise ser aprovada pelo Congresso Nacional para se converter definitivamente em lei ordinária, essa medida tem força de lei e efeitos jurídicos imediatos.

Em primeiro lugar, é importante destacar que, assim como a Lei 13.467/2017, esta MP surge em total desrespeito aos preceitos formais estabelecidos na Constituição Federal sobre o processo legislativo e sem a mínima obediência aos princípios democráticos. Além de não ter havido qualquer debate social sobre o assunto, não há nada nesta MP 905 que possa ser enquadrado no artigo 62 da Constituição Federal, a fim de justificar, pelo caráter de urgência, uma regulação por meio desse instrumento jurídico. Nesse sentido, a MP 905/2019 é claramente inconstitucional já quanto à sua forma.

Dentre as alterações que ela propõe, a primeira a se destacar é a criação do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, que já vinha sendo defendido por Bolsonaro desde sua campanha presidencial. Essa nova modalidade de contratação nada mais é que a institucionalização do trabalho precário a partir da formalização de um contrato de trabalho desprotegido de importantes garantias e direitos celetistas. A clara finalidade é reduzir os custos de mão-de-obra – como, por exemplo, a redução da alíquota de contribuição ao FGTS de 8% para 2%, além de isentar o empregador quanto à contribuição previdenciária – e permitir a ampliação da exploração do trabalho – como a diminuição das restrições ao banco de horas, agora sendo permitido por mero acordo individual.

Um aspecto fundamental de ser salientado é que esta nova modalidade de contratação é restrita à população jovem, de 18 a 29 anos de idade. Ainda, segundo o próprio texto, só poderão ser contratados pelo Contrato de Trabalho Verde e Amarelo os trabalhadores com a remuneração limitada a 1,5 salário mínimo nacional. Portanto, o jovem contratado sequer poderá receber salário superior, ou não poderá ser contratado nessa modalidade. Em outras palavras, a Medida Provisória precariza formalmente a juventude brasileira e impõe a ela o ônus de sustentar as benesses ao setor empresarial.

Na mesma linha, se, de um lado, o empresário é isento de pagar a contribuição previdenciária do seu empregado nessa nova modalidade de Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, de outro lado, o desempregado que esteja recebendo o seguro-desemprego (que hoje não contribui) passa a ser obrigado a realizar esta contribuição. Ou seja, para compensar a desoneração feita às empresas, o desempregado será obrigado a contribuir à Previdência.

Outra alteração perversa, que já foi tentada na anterior MP 881/2019, é o fim da obrigatoriedade do descanso semanal remunerado, viabilizando o trabalho aos domingos e feriados, dispensando também o pagamento em dobro do tempo trabalhado nesses dias se a folga for determinada para outro dia da semana. Assim prevê a MP:

"Art. 68. Fica autorizado o trabalho aos domingos e feriados. § 1º O repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo, no mínimo, uma vez no período máximo de quatro semanas para os setores de comércio e serviços e, no mínimo, uma vez no período máximo de sete semanas para o setor industrial.

Art. 70. O trabalho aos domingos e nos feriados será remunerado em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga compensatória."

Essa alteração inverte a lógica estabelecida na Constituição Federal, que garante, no seu art. 7º, XV, o "repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos". Com a MP, a regra passa a ser a exceção: só será garantida, para os setores de comércio e serviços, a folga em 1 (um) a cada 4 (quatro) domingos, ou a cada 7 (sete) domingos para o setor industrial.

No caso específico dos trabalhadores bancários, a MP ainda revoga expressamente a Lei 4.178/62, que veda a abertura de bancos e outros estabelecimentos de crédito aos sábados, e – o que é mais preocupante – altera drasticamente a jornada de trabalho da categoria. É uma clara tentativa de passar por cima de uma das conquistas históricas mais importantes da categoria bancária, que é a jornada de 6 (seis) horas de segunda-feira à sexta-feira, importando ao texto o antigo e conhecido interesse dos bancos em instituir a jornada de 8 (oito) horas e ampliar a exploração da força de trabalho dos bancários aos sábados.

A proposta de nova redação do artigo 224, que trata da jornada de trabalho bancária, está assim apresentada:

"Art. 224. A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, em casas bancárias e na Caixa Econômica Federal, para aqueles que operam exclusivamente no caixa, será de até seis horas diárias, perfazendo um total de trinta horas de trabalho por semana, podendo ser pactuada jornada superior, a qualquer tempo, nos termos do disposto no art. 58 desta Consolidação, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, hipóteses em que não se aplicará o disposto no § 2º.

§ 3º Para os demais empregados em bancos, em casas bancárias e na Caixa Econômica Federal, a jornada somente será considerada extraordinária após a oitava hora trabalhada.

§ 4º Na hipótese de decisão judicial que afaste o enquadramento de empregado na exceção prevista no § 2º, o valor devido relativo a horas extras e reflexos será integralmente deduzido ou compensado no valor da gratificação de função e reflexos pagos ao empregado."

Como se observa, a partir da nova redação, os trabalhadores bancários passarão a ter jornada regular de 8 (oito) horas, sendo considerado trabalho extraordinário apenas aquele exercido além da oitava hora. A jornada de 6 (seis) horas passaria a ser restrita ao cargo de caixa; mesmo assim, o próprio dispositivo prevê a possibilidade de se ampliar essa jornada dos caixas a qualquer tempo.

O que se mostra mais preocupante, contudo, são as possíveis consequências desse novo regramento da jornada bancária. Com a regularização da jornada de 8 (oito) horas, Bolsonaro dá sinal verde aos bancos para a possibilidade de extinção formal de cargos de confiança e de gratificações de função, já que, segundo o novo § 3º, não mais será necessário ocupar um cargo de confiança para a extensão da jornada de 6 (seis) para 8 (oito) horas sem o pagamento de horas extras.

Ainda, o novo § 4º reflete a pressão dos bancos em incluir no texto legal o dispositivo da norma coletiva que reduz o valor devido ao empregado a título de horas extras quando afastado judicialmente o cargo de confiança, alterando por lei uma construção jurisprudencial unânime que havia em sentido exatamente inverso.

Sobre as alterações na jornada bancária, vale destacar que estas vão totalmente de encontro com o próprio fundamento da Medida Provisória. Isso porque a justificativa de edição da inusitada MP 905 é de resolver o desemprego com a ampliação de postos de trabalho. Todavia, ao ampliar a jornada de trabalho da categoria bancária, diminui-se proporcionalmente o número de postos de trabalho, já que serão necessários menos trabalhadores para a mesma quantidade de trabalho. Ou seja, no lugar de ampliar a quantidade de postos de trabalho, amplia-se a quantidade de trabalho para os mesmos postos hoje existentes. O que se evidencia, assim, é um discurso absolutamente mentiroso para tão somente garantir os interesses e os lucros crescentes do setor financeiro.

Por fim, a MP 905 ainda prevê redução no índice de reajuste de débitos trabalhistas. O índice deixará de ser o "IPCA-E + 12% ao ano" e passará a ser o "IPCA-E + juros da poupança (6% ao ano)". Em outras palavras, esta MP busca beneficiar e desonerar empregador-devedor que desrespeitou a legislação, o que evidentemente estimula o descumprimento de direitos trabalhistas, e em nada contribui para o problema do desemprego. Fica claro o caráter ideológico da Medida Provisória para favorecer empresários que descumprem a legislação.

É preciso sustentar, diante dessa afronta à classe trabalhadora, que, se convertida em lei ordinária pelo Congresso Nacional, esta Medida Provisória nº 905 não poderá afetar os contratos de trabalho em curso, à luz do princípio da irretroatividade. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dispõe que “a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”; desse modo, em se tratando o contrato de trabalho firmado um ato jurídico perfeito, este ainda deverá estar protegido pela atual legislação.

Como resultado dessas alterações relativas à jornada de trabalho, há um grande potencial de vermos aumentar consideravelmente as taxas de adoecimento. Isso porque o aumento da jornada está diretamente ligado ao aumento dos acidentes de trabalho. E este cenário é ainda mais danoso aos bancários, uma vez que a atividade bancária é uma das que mais lesionam o trabalhador.

Em suma, como se observa nas alterações propostas, a MP 905 é mais um violento ataque a quem vive do trabalho. Sob a roupagem de "ampliar os postos de trabalho", essa reforma legislativa busca, na verdade, conferir ao setor empresarial e financeiro uma liberdade ilimitada de exploração dos trabalhadores à revelia de direitos trabalhistas mínimos. O objetivo, portanto, é muito claro: intensificar a precarização das relações de trabalho e aumentar a exploração da classe trabalhadora, fazendo prevalecer a liberdade de exploração da força de trabalho em detrimento dos direitos trabalhistas.

Texto por Dr. Antônio Vicente Martins - OAB/RS 21.328 e Dr. Pedro Conzatti Costa - OAB/RS 103.090