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Reflexão e Crítica – A cobrança da contribuição assistencial na Suprema Corte Americana

13 de jul, 2016 Direitos dos Trabalhadores

Este artigo, produzido pelo escritório LBS Advogados, parceiro do AVM Advogados em Brasília, faz uma reflexão sobre a influência da recente morte do juiz conservador da Suprema Corte norte-americana Antonin Scalia em julgamento importante acerca da obrigatoriedade de cobrança de contribuição de não filiados de sindicato de servidores públicos.

Em tempos tão turbulentos, convém olharmos para além do próprio umbigo, seja para buscar inspiração e ideias em outras realidades, seja para se consolar com a constatação de não sermos os únicos em problemas. Pensando nisso, resolvemos voltar nossa atenção para o Poder Judiciário dos Estados Unidos da América (EUA) — aproveitando, aliás, a “falta” de notícias tupiniquins (aqui, só se fala de impeachment) e o julgamento de importante causa sindical pela Corte Suprema.

O caso

A questão da cobrança compulsória de taxa assistencial foi novamente submetida à apreciaçãoda Suprema Corte norte-americana por meio do caso Friedrichs v. California Teachers Association. A discussão levada ao Poder Judiciário centrava-se na suposta violação da primeira emenda da Constituição americana, que veda qualquer limitação à liberdade de expressão e de associação. Segundo os professores autores da ação, o dever de contribuir para uma entidade a qual não desejam afiliar-se, ainda que seja exclusivamente para a atuação sindical em negociação coletiva, constitui uma anomalia por impor a estes trabalhadores a voz de um sindicato que apenas ocasionalmente detém a representação da categoria.

A tese contraposta e defendida pela organização sindical ré tem, essencialmente, dois fundamentos. O primeiro, o princípio da representação exclusiva, segundo o qual a entidade apta a negociar coletivamente deve ser eleita pela maioria da categoria em pleito realizado especificamente para este fim. O segundo, o problema econômico que seria gerado para a sustentabilidade financeira do sindicato caso alguns trabalhadores, embora sejam beneficiados pela ação sindical na negociação coletiva, se recusassem a contribuir para custear os gastos despendidos para realizar este serviço — teoria econômica chamada em inglês de the free riders theory, que analisa os problemas gerados por oportunistas.

A conjuntura e a decisão

A Suprema Corte dos Estados Unidos é formada por nove julgadores chamados de justices, cuja nomeação se dá por ato complexo: indicação do Presidente da República e confirmação do Senado. Em janeiro de 2016, quando o caso Friedrichs v. California Teachers Association foi arguido — oportunidade em que as partes são ouvidas e inquiridas pelos julgadores —, a composição do tribunal tinha tendência conservadora, vale dizer, alinhada à posição do Partido Republicano: quatro justices conservadores, quatro justices liberais e um justice “enigmático”, mas com inclinação à direita.

Nesse contexto e diante da sessão realizada em janeiro, a expectativa geral era de que a jurisprudência do tribunal seria reformada após 39 anos, para proibir a cobrança obrigatória de taxas assistenciais — o precedente em vigor, caso Abood v. Detroit Board of Education, data de 1977. A derrota não seria apenas do sindicato réu. Todo o movimento sindical norte-americano sofreria forte golpe com semelhante decisão, já que a perda de importante fonte de custeio redundaria, inevitavelmente, no enfraquecimento de sua atuação.

O desfecho do caso, porém, foi alterado pela morte de um justice conservador, Antonin Scalia, em fevereiro de 2016. No julgamento realizado em abril de 2016, o tribunal ficou dividido (decisão empatada em 4 a 4) e, com isso, a decisão proferida pela instância judicial inferior foi mantida, sem que o precedente vigente fosse alterado (ou seja, foi mantida a permissão para cobrar taxa assistencial com a finalidade de custear as negociações coletivas). Vitória da entidade ré. Alívio efêmero para o movimento sindical dos Estados Unidos. Efêmero porque a nomeação de um novo justice está pendente e tem gerado enorme polêmica neste ano eleitoral. Além disso, o fenômeno que impulsionou o caso não é ocasional.

As constatações, análises e perspectivas

A campanha para enfraquecer as organizações sindicais vem sendo impulsionada por conservadores há décadas e, ante a conformação majoritariamente conservadora da Suprema Corte, sua estratégia prioritária era promover o debate judicial sobre o financiamento sindical e, depois, a representatividade. São exemplos disso os casos Harris v. Quinn, Friedrichs v. California Teachers Association e D’Agostino v. Baker. Concretamente, a tática vinha sendo bem sucedida, já que, por meio de decisões judiciais, logrou-se dar interpretação cada vez mais restritiva aos direitos e políticas públicas trabalhistas.

A morte do justice Scalia e a decisão proferida no caso Friedrichs v. California Teachers Association evidenciam o papel político da Corte Suprema dos EUA. Afinal, se a atuação do tribunal estivesse limitada à interpretação objetiva das normas, a composição do tribunal — e, portanto, a inclinação político-ideológica de seus membros — não mudaria o resultado do julgamento. Também não geraria tanto alvoroço e disputa a nomeação de seu substituto. E, por fim, não motivaria o rearranjo das estratégias adotadas pelos atores sociais como antecipam especialistas norte-americanos, que preveem a concentração dos ataques conservadores aos direitos trabalhistas na esfera legislativa (para ler mais sobre este tema, clique aqui e aqui).

Neste contexto, algumas ponderações e alguns desafios são lançados às organizações de trabalhadores norte-americanas:

- Urgência para passar de uma posição defensiva frente a demandas ajuizadas por conservadores (na qualidade de réus), para impulsionar uma agenda judicial positiva tendente a ampliar direitos sociais (na condição de autores).

- Necessidade de questionar a legitimidade de decisões judiciais que interferem no sistema de relações do trabalho, sobrepondo-se à atuação do Poder Executivo, especialmente porque os justices não são eleitos democraticamente.

- Importância redobrada da mobilização e do protesto, uma vez que a conjuntura política influencia as decisões judiciais.

- Imprescindibilidade da tomada de consciência; da promoção de sinergia entre o movimento sindical, suas assessorias jurídicas e acadêmicos; da difusão dos temas judicializados e de sua apropriação pelas bases.

Em síntese, mais do que uma trégua para a classe trabalhadora, a recomposição da Suprema Corte norte-americana pode significar uma oportunidade de luta para repensar o sistema de relações do trabalho, para consolidar e ampliar direitos sociais e, especialmente, para reagir e agir contra os ataques conservadores.

O espelho

Apesar das diferenças abismais existentes entre EUA e Brasil (questões estruturais, jurisdicionais, políticas e até econômicas), as ameaças e os desafios que enfrentam o movimento sindical são idênticos. Se lá a morte de um justice parece ter desnudado a realidade e conclamado a classe trabalhadora à luta; aqui, a crise política (que envolve o Poder Judiciário, evidentemente) e financeira podem ter o mesmo efeito. Logo, tanto aqui como lá, é momento de resgatar o espírito de solidariedade, unir esforços, resistir, reagir e lutar, porque já não se pode ocultar a divisão da sociedade e a disputa no mundo do trabalho.

Fonte: LBS Advogados