Lei de Igualdade Salarial (nº 14.611/2023): algumas ponderações sobre o alcance das medidas legais que visam alcançar a paridade entre homens e mulheres no mercado de trabalho

26 de Março, 2024 Direito do Trabalho
Lei de Igualdade Salarial (nº 14.611/2023): algumas ponderações sobre o alcance das medidas legais que visam alcançar a paridade entre homens e mulheres no mercado de trabalho

No dia 04/07/2023, entrou em vigor a Lei de Igualdade Salarial nº 14.611/2023, apresentando algumas diretrizes para que as diferenças salariais entre homens e mulheres comecem a ser superadas.

Primeiramente, para que seja possível contrapor os termos da lei com as situações nas quais seja possível de fato aplicá-la, faz-se necessário analisar o contexto histórico que a tornou tão necessária.

Em que pese as evidentes diferenças remuneratórias entre homens e mulheres comprovadas pelas estatísticas, jamais houve um consenso na opinião pública sobre o assunto, circunstância que explica, ao menos em parte, a demora para que fosse elaborada alguma lei visando à diminuição da referida desigualdade.

Apesar das controvérsias, é fato que a inserção das mulheres no mercado de trabalho foi marcada pela chamada “divisão sexual do trabalho”, a qual determinava que cabia às mulheres cuidarem do ambiente doméstico e criarem os filhos, motivo pelo qual a sua mão-de-obra era aproveitada apenas em atividades “excedentes” às que eram ocupadas pelos homens (UCHOA, 2015, p. 39).

Assim, a noção de que a remuneração da mulher era apenas complementar, considerando a premissa de que a sua principal ocupação seria os afazeres domésticos, bem como que o seu trabalho teria sempre um menor valor agregado, atravessou gerações e permanece representando uma chaga social difícil de ser suplantada.

Nesse ponto, cabe ressaltar uma estatística recente, apresentada no “Relatório Nacional de Transparência Salarial” lançado em parceria entre os ministérios das Mulheres e do Trabalho e Emprego ontem (25), que as mulheres ganham 19,4% a menos que os homens no Brasil, sendo que a diferença varia de acordo com o grande grupo ocupacional. Em cargos de dirigentes e gerentes, por exemplo, a diferença de remuneração chega a 25,2%.

Dessa forma, a persistência das diferenças salariais entre homens e mulheres faz parte de um complexo contexto histórico, social e institucional, o qual viabiliza que, ainda hoje, a mulher seja mais mal remunerada e tenha o seu trabalho menos valorizado, razão pela qual muitas vezes não consegue disputar com os homens determinados postos de trabalho de forma igualitária.

A superação de preconceitos que definiram por anos as estruturas da sociedade não será possível apenas por meio de uma única lei, mas a sua existência suscita o início de um debate com potencial de promover importantes mudanças a longo prazo.

Nesse sentido, cumpre salientar que alguns dos artigos da lei nº 14.611/2023 visam promover um ambiente laboral mais igualitário de forma ampla, o que é imprescindível para que todos os preconceitos já referidos sejam de fato superados.

No art. 461, § 6º da lei, por exemplo, as condições referentes à raça, origem e idade foram acrescentadas às hipóteses de discriminação, o que aponta para o reconhecimento de que há convergências entre diversas formas de preconceitos.

Ainda, importa salientar que o art. 5º, caput e § 2º determina que as pessoas jurídicas de direito privado com 100 ou mais empregados devem publicar semestralmente relatórios referentes à transparência salarial e a critérios remuneratórios, o que representa um relevante avanço, eis que é apenas por meio do acompanhamento constante dos padrões salariais nas empresas que é possível garantir que a igualdade salarial está sendo conquistada e mantida.

Assim, no que se refere às medidas para cumprimento efetivo da lei, cumpre ressaltar que, conforme divulgado no site do Ministério do Trabalho e Emprego no dia 25 de março de 2024, a fim de que fosse elaborado o relatório nacional de transparência, foram enviadas informações por 49.587 estabelecimentos com 100 ou mais empregados, os quais terão até o dia 31 de março para publicar os dados a respeito dos seus relatórios individuais em seus sites, redes sociais ou em instrumentos similares, sempre em local visível, garantida a ampla divulgação para seus empregados, trabalhadores e público em geral.

Ainda, aquelas que não tornarem públicas as informações do relatório estarão sujeitas à multa de 3% do valor da folha de pagamentos, limitada a 100 salários-mínimos, além de que, empresas nas quais for constatada diferença salarial serão notificadas pelo MTE e terão 90 dias para elaborar um Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios, visando reduzir diferenças que não tenham justificativas.

Além disso, denúncias de desigualdade salarial podem ser realizadas pela Carteira de Trabalho Digital do Ministério do Trabalho e Emprego.

No ponto, a fim de destacar ainda mais a necessidade da lei de igualdade salarial, cumpre referir outra estatística recente, divulgada no Relatório Global de Disparidade de Gênero do Fórum Econômico Mundial de 2023, de que, no atual ritmo de progresso, levará 131 anos para ser atingida a plena igualdade de gêneros no mercado de trabalho brasileiro.

Outro dado importante, o qual foi também foi apresentado no “Relatório Nacional de Transparência Salarial”, é o de que, atualmente, as mulheres precisariam trabalhar 15 meses em um ano para alcançarem a mesma renda dos homens.

Além disso, foi apresentado o dado de que, nos últimos 3 anos, caiu o número de contratações de mulheres em cargos de liderança.

Tal circunstância representa a dificuldade persistente que as mulheres sempre enfrentaram de disputar vagas em setores majoritariamente masculinos nos quais a mulher, em muitos momentos, sente que a sua competência é reiteradamente questionada e colocada à prova.

Em 1949, Simone de Beauvoir escreveu, no seu famoso livro “O segundo sexo”, que “O mais medíocre dos homens julga-se um semideus diante das mulheres”.

E ainda é essa ideia, atualmente muito mais velada, que impõe exigências intermináveis para que as mulheres ocupem posições de liderança enquanto homens, na mesma área, podem se manter muito mais facilmente nesses cargos fazendo uso da sua condição de privilégio de não ser visto como alguém estranho àquele posto de trabalho.

Nesse sentido, outro ponto importante no que se refere à inserção das mulheres no mercado de trabalho, a qual também foi exposta no “Relatório Nacional de Transparência Salarial”, é o de que vários critérios remuneratórios comumente utilizados pelas empresas para definir padrões salariais, tais como horas extras, disponibilidade para o trabalho, metas de produção, entre outros, são atingidos mais pelos homens do que pelas mulheres que, em geral, têm interrupção no tempo de trabalho devido à licença-maternidade e à dedicação com cuidados com filhos e pessoas dependentes.

Porém, na apresentação do relatório, foi pontuado que de fato existe uma expectativa de ser implementada uma política nacional de cuidados relacionados à parentalidade (como licença-maternidade e licença-paternidade estendida) para mudar esse cenário.

No ponto, cumpre ressaltar que, a partir do momento em que as mulheres alcançarem uma renda mais justa e proporcional à sua capacitação, haverá implicações diretas na sua autonomia financeira, profissional e familiar, portanto, não se trata apenas de discutir salários, mas sim de garantir uma posição de igualdade para as mulheres em todos os âmbitos.

Por fim, cumpre citar o comentário da ministra do Ministério das Mulheres, Cida Gonçalves, a qual, no final da apresentação do relatório, referiu que a responsabilidade sobre o alcance da igualdade entre homens e mulheres não é apenas dos governos, pois a este cabe tão somente elaborar as estratégias para que tal fato seja possível.

No entanto, a busca pela igualdade é responsabilidade de toda a sociedade composta pelas organizações sociais, pelos cidadãos, pelas empresas e pelo Estado brasileiro através do sistema judiciário, motivo pelo qual todos devemos seguir engajados, participando de constantes debates na seara política, econômica e social para que o trabalho da mulher seja de fato valorado em plena paridade aos dos homens.


Escrito por Liziane da Cunha Edler, associada do AVM Advogados

Referências: 

Apresentação do Primeiro Relatório Nacional de Transparência Salarial

Mulheres recebem 19,4% a menos que os homens, aponta 1º Relatório de Transparência Salarial

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